quarta-feira, 30 de setembro de 2009

EM BUSCA DO PAI

Saiu de casa atrasado. Precisou correr como um cavalo puro-sangue para vencer os três quilômetros de estrada que separavam sua casa da rodagem por onde passaria o único transporte de Monte Santo. Logo que chegou à estrada carroçal ouviu a buzina langorosa do caminhão Chevrolet 1966 anunciando a chegada. O velho caminhão “pau-de-arara”, apontou a “fuça” na curva do “S” se aprumando desajeitadamente para tornar a pegar o retão final da estrada esburacada de Monte Santo. Ao avistar os faróis redondos do caminhão, Jorge ajeitou a surrada mochila sobre os ombros. Na sacola levava alguns pertences de uso individual, pretendia passar alguns dias em Caninindé ,se tudo desse certo. O caminhão parou no acostamento próximo à árvore centenária onde Jorge o aguardava. O Chevrolet 66 freou preguiçosamente, sendo coberto por uma nuvem de poeira e exalando um cheiro forte de gasolina queimada. Na boleia, como sempre, vinham as pessoas idosas e mulheres com crianças no colo. Estava cheinha. Seu Cordeiro, um senhor de mais ou menos sessenta e cinco anos, mal podia passar a marcha do simpático caminhão, mas já se acostumara a todo àquele aperto e dificuldades. Há quarenta anos realizava o mesmo trajeto. Fazia três horários por dia. Jorge pôs o pé esquerdo sobre o pneu traseiro e com as duas mãos apoiou-se na grade e pulou pra dentro da carroceria do caminhão, que já vinha lotada. Ali ia de tudo – sacos de mamona, algodão, milho, galinhas, porcos... Embaixo de um dos bancos ,vinha um papagaio preso em uma gaiola. Tinha olhar triste e cabisbaixo. – melancólica viagem a sua, parecia saber que iria também ser vendido na feira com as outras mercadorias. As galinhas de vez em quando se espantavam, por causa dos solavancos do caminhão “pau-de-arara”. Acocha daqui, acocha dali, Jorge conseguiu,com muito esforço, um lugar espremido para sentar-se. Baixou a cabeça e colocou a sacola sobre as pernas. Seu pensamento começou a viajar meio mundo. As lembranças de sempre vieram incomodá-lo. Fora criado desde criança com seus avôs maternos. Convivera pouco com sua mãe e seu maior sonho era saber de quem era filho, quem era seu pai. A imagem desconhecida do pai estava gravada na parede de seu coração. Será que ele sabe que existo? Ainda é vivo? Quantos anos terá? O que faz? Após vinte anos sendo inquietado por estas e outras perguntas, finalmente teria uma oportunidade de encontrá-lo. O Chevrolet 1966, parou em frente ao imponente Jequitibá, na pracinha da matriz de Canindé, que àquela hora da manhã estava deserta. Eram oito horas. Sentou-se em um dos bancos da praça. Estava triste e alegre ao mesmo tempo. Levantou a vista e viu um homem aparentando cinquenta anos, bigode à moda Floriano Peixoto, chapéu de massa virado pro lado direito do rosto, expressão sisuda e olhar perdido. Ele vinha da feira caminhando em sua direção, montado em um cavalo amarelo, calçando botas sete léguas. Parecia mesmo um vaqueiro, ou um fazendeiro, pelo modo como se vestia. O homem desceu do cavalo e colocou a mão direita sobre o ombro de Jorge e falou, sem rodeios: - Sinto muito, Jorge, não sou seu pai, aqui está o resultado do exame de paternidade. Bem que eu gostaria, você é um bom moço. Jorge ficou calado. Não tinha palavras para falar. Uma dor infinda transpassou-lhe a alma. Aquelas palavras doeram como espinho na carne. Após alguns segundos respirou fundo e respondeu:
- Tudo bem, seu Bartolomeu, agradeço ao senhor pela boa vontade que demonstrou em fazer o exame de paternidade. Vou continuar minha busca, quero saber quem é meu pai.
Jorge investira parte do seu tempo investigando a juventude de sua mãe. Descobriu que ela era apaixonada por paixões. Soube que na época em que ficara grávida tivera duas paixões: Bartolomeu e Raimundo. Duas paixões num só ano. Bartolomeu continuava na cidade, e Raimundo, outro amante de sua mãe, por onde andava? Ainda estava vivo? Iria investigar, quem sabe fosse seu pai? Reconstruiria suas emoções, suas forças, suas esperanças. Continuaria sua caçada. Levantou-se do banquinho da pracinha da matriz, despediu-se de Bartolomeu, colocou sua mochila nos ombros e saiu caminhando em direção à parada por onde o Chevrolet “pau-de-arara” 1966, passaria e o levaria de volta a Monte Santo. Uma lágrima quente rolou do rosto de sua alma. Naquele momento sentiu-se pior que Ismael abandonado no deserto, expulso por Sara, mulher de Abraão. “Ainda que teu pai e tua mãe te desamparem, eu não te desampararei” lembrou em meio à lotação do “pau-de-arara”. Sangue novo correu-lhe nas veias da alma, sentiu-se renovado para continuar sua busca...
Marcos Antonio Vasco Rodrigues
Esta obra está registrada e licenciada. Você pode copiá-la, distribuí-la, exibi-la, executá-la desde que seja citado o autor original. Não é permitido fazer uso comercial desta obra.Publicado em: 30/09/09

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

QUANTO AMOR... E... DOR...

O barulho ensurdecedor da chegada do trem das sete rasgou o véu do silêncio da pacata cidade de Miraíma no agreste nordestino. À medida que o trem se aproximava, o coração da alma de João parecia querer pular fora. No vagão viria sua inesquecível amada. Passar seis meses ausentes dela era muito doloroso. Ficava faltando-lhe um pedaço.
Quando o vagão parou, João já estava em pé na plataforma onde o trem faria o desembarque de passageiros. As pessoas desciam apressadas das várias saídas do vagão. Os olhos de João estavam atentos a todas as saídas, afinal ele não sabia por qual porta de desembarque ela desceria. Seus olhos não encontraram sua amada.
- Meu Deus, o que houve? Ela não veio. O que teria acontecido? Imediatamente pegou o celular e ligou pra ela. Mas só ouvia a gravação cansativa que dizia “este telefone no momento não está recebendo ligações”, tentou várias vezes. A mesma resposta. Um misto de desencanto e frustração deixou-o extremamente abatido. Vários pensamentos conflituosos vieram-lhe à mente da alma – teria desistido dele? -- Não, não posso crer, pensou. Estaria doente? Por que não ligou avisando que não viria no trem das sete? A paixão de João encontrou justificativas para todos os possíveis deslizes da amada. E decidiu – iria esperar pelo trem das nove. Respirou fundo e sentou-se solitariamente no banco tosco da estação. Levantou a cabeça para o alto e viu várias estrelas piscando silenciosamente no céu, o brilho delas não lhe trazia alegria como outrora. João procurava distrair-se observando os poucos transeuntes apressados que se dirigiam aos guichês em busca de informações.
Até passou uma moça interessante fisicamente, mas aos olhos de João, nenhuma beleza se comparava ao encanto e singeleza de sua amada. Os seis meses de ausência de Eva não foram suficientes para atenuar seu amor, ou paixão? O certo é que a figura alta e esguia de Eva não lhe saía da lembrança. O “cheiro” dela estava impregnado em suas narinas. Que outra mulher teria o odor tão aprazível como o de Eva? Alguma voz se assemelharia à doçura da sua? Não. Para ele, não... sua amada era toda formosa, nela não havia mancha. Ela seria mais ou menos como a noiva descrita no livro “Cantares de Salomão”.
Enquanto viajava na lembrança de Eva, as badaladas do sino da velha estação de Miraíma trouxeram-no de volta à realidade. Olhou o relógio, eram nove horas. O vagão já se aproximava, rasgando agora de maneira mais intensa, o silêncio da noite. Ela vem neste, não é possível, meus Deus. Alegria e incerteza administravam suas emoções naquele momento. Olhou avidamente tentando encontrar a figura da amada, porém não a viu. A última pessoa a desembarcar do trem foi um velhinho curvado pelo peso do tempo, segurando uma bengala e caminhando com dificuldades. Meu Deus, ela não veio. E este é o último trem. Ficou confuso, precisava se organizar emocionalmente. Sentou-se ali mesmo, na plataforma de desembarque. Tinha que administrar sua dor, decidir o que faria, precisava continuar “tocando a vida em frente”. Passou a noite em claro, ali mesmo. Logo às cinco da manhã pegou o primeiro trem e foi à procura de sua amada. Ela havia ido a Recife fazer companhia a uma tia acometida de uma doença terminal. Quando Eva se dirigia à estação para pegar o trem que chegaria às sete, na cidade de Miraima, foi colhida por um veículo, que a jogou distante. O amor de João se despediu da vida ali mesmo, sem se despedir de João. Quando o moço chegou à casa da tia de Eva deparou-se com a amada em um caixão... Já era o velório dela. Ninguém tivera coragem de avisá-lo. Inclinado sobre o caixão da amada, secou todas as lágrimas. A dor era indescritível. `uma frase guardada no baú do coração trouxe-lhe ânimo ´ - “não se turbe o vosso coração...” – “ os meus caminhos não são os vossos caminhos”. Era Jovem. Tinha vinte e cinco anos. Iria tentar viver de novo. Deus o sustentaria.






Marcos Antonio Vasco Rodrigues

Esta obra está registrada e licenciada. Você pode copiá-la, distribuí-la, exibi-la, executá-la desde que seja citado o autor original. Não é permitido fazer uso comercial desta obra.Publicado em: 26/08/09