sábado, 15 de agosto de 2009

Saudade não tem fim

São necessários vários relicários para guardar tanta saudade. Desde a nossa mais tenra idade ela se apropria de um dos compartimentos de nossa alma e fixa, ali, sua morada definitiva. Com freqüência, ela desperta e traz de volta momentos magicamente belos e doces, faz nosso peito ficar quente e nosso coração pensativo. Precisamos, de vez em quando, refreá-la com a nossa razão, a fim de que ela não se transforme em tristeza e melancolia. Neste caso, ela já passaria a ser algo nocivo. Segundo a História oficial, muitos negros na época do Brasil - Colonial, trazidos como escravos morriam de saudade, tristeza e melancolia.
Lembro com ternura e saudade da figura angelical da minha primeira namorada. Na época eu tinha dezesseis e estava no auge do sonho e da fantasia. Sinto saudade do silêncio e da inocência dela. Falávamos pouco. Só a companhia e a troca de olhares já eram suficientes. Havia uma empatia produzida pelo ambiente bucólico e pela fantasia do sentimento. Pelas janelas da alma dela eu sentia que sua paixão por mim era maior que a profundidade do oceano. Ficávamos sentados no batente de entrada do velho casarão da casa dela. Eu chegava lá às cinco e meia da tarde e ao nosso dispor um vasto horizonte e o cair da tarde. Minha sensibilidade de adolescente apaixonado conseguia perceber a tristeza do horizonte. Por que ele sempre ficava triste ao entardecer? Estaria prevendo o fim do nosso romance? Parece que sim. Justamente neste clima de encanto e mistério que envolvia nosso sonho, ela teve que ir embora para outra cidadezinha, deixando um rastro de desolação e eterna saudade. E o pior: se despediu de mim por carta. O que teria acontecido? Se a saudade não envelhece, não morre, ao contrário do que se afirma, de onde ela vem? Seria de Deus?
No livro de Genêsis esta escrito “ então arrependeu-se o Senhor de haver feito o homem sobre a terra e pesou-lhe em seu coração” também está escrito no segundo livro de Samuel “ estendendo pois o anjo a sua mão sobre Jerusalém para a destruir o Senhor se arrependeu daquele mal”
Ora , se Deus manifesta sentimentos de arrependimento, pesar e tristeza, por que não manifestaria, também, sentimentos de saudades? Mas por que Ele a sentiria e por quem?
Todos nós temos histórias sem fim de saudade para serem contadas. Confesso que gostaria de saber as histórias das saudades de Deus. Parece que com Deus também ocorre o mesmo que acontece conosco - Tristeza tem fim, saudade não...


Marcos Antonio Vasco Rodrigues

Esta obra está registrada e licenciada. Você pode copiá-la, distribuí-la, exibi-la, executá-la desde que seja citado o autor original. Não é permitido fazer uso comercial desta obra.Republicado em: 15/08/09

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